Influências africanas na vida, literatura e religião israelita
Sem dúvida, a mais forte influência que uma nação africana teve sobre Israel foi a do Egito. Em 1975, R. J. Williams27 elaborou um bom número de detalhes dessa relação. Desde então tem havido modificações secundárias em detalhes, mas o quadro geral permanece o mesmo: o Egito foi uma presença constante ao longo da costa leste do Mediterrâneo e no sul da Palestina. O egiptólogo Williams é generoso em sua avaliação da situação ao não criticar o campo do Antigo Testamento por ignorar evidências valiosas. Escreve ele:
“Pela própria natureza de sua formação, é mais provável que os estudiosos do Antigo Testamento tenham adquirido um conhecimento de primeira mão das fontes cananeias e cuneiformes do que tenham dominado os materiais hieroglíficos e hieráticos do Egito. Por esta razão eles têm tido que depender em uma escala maior de fontes secundárias para os últimos. Não é surpreendente, então, que a herança de Israel proveniente da Ásia ocidental em áreas como mitologia, saltério, coleções de provérbios de teodicéia, códigos e práticas legais, tratados de suserania e anais reais tenha sido mais profundamente investigada. Ainda assim, o legado do Egito de forma nenhuma é desprezível, e uma maior apreciação deste fato tem sido alcançada durante os últimos 50 anos.
Israel sempre esteve consciente de seus vínculos com o Egito, e as tradições de sua curta estada lá estavam indelevelmente em sua literatura religiosa. Mas muito antes de os hebreus se tornarem uma nação o Egito tinha exercido uma supremacia econômica sobre a Síria-Palestina durante o Médio Reino (ca. 2052-1786 a.C.)”.
Williams elabora, então, vários pontos-chaves de contato que são citados na Bíblia. Começando com a 21ª Dinastia (ca. 1085-945 a.C.), na qual “Salomão teria casado com uma princesa egípcia, filha de Siamum, ele continua até a 22ª Dinastia, quando Shoshenk I (ca. 945-924 a.C.) reivindica ter capturado 156 cidades na Síria-Palestina, “entre as quais estava Jerusalém, onde o templo foi saqueado”.
Ainda mais adiante, Williams cita a ajuda dada pela 25ª Dinastia de Osorkon II a Acabe na sua batalha contra os assírios em Qarqar, em 853. O avanço assírio “levou muitos israelitas a procurar refúgio no Egito”. Mais tarde, Oséias procuraria a ajuda do faraó, mas sem lograr êxito. A maré tinha virado, e os assírios dominariam a Síria-Palestina por muitas décadas. Isaías, mais tarde, repreendeu Ezequias quando este recorreu ao Egito em busca de salvamento.”
Por último, no século final do restante estado de Judá, muitos judaítas foram da Palestina para o Egito e construíram guarnições em várias cidades lá; Suen (Elefantina) é a mais conhecida dessas guarnições. Com o saque de Jerusalém em 587, “refugiados” partiram para o Egito. Com eles foi o profeta Jeremias.
Embora a lista acima seja impressionante, ela não é nova. Esses detalhes são conhecidos da maioria dos especialistas na história da Palestina antiga, um grupo que deveria incluir a maioria dos especialistas do AT. Williams, ainda usando evidência já publicada nos anos quarenta, vai mais além e sugere que a forma de administração e educação durante o império davídico estava baseada no modelo egípcio de burocracia. Ele cita uma impressionante lista de exemplos: distritos administrativos, títulos oficiais, escolas de escribas, a cunhagem de moedas com números hieráticos, terminologia real, o ritual de coroação e até mesmo a estrutura física do trono foram derivados de modelos egípcios.
Williams conclui que houve dois períodos de contato especialmente próximo entre Israel e o Egito. O primeiro foi o período de Davi e Salomão. O segundo foi sob Ezequias, que foi, destaca ele, o primeiro rei exclusivo sobre Israel (agora limitado a Judá e Benjamim) desde o reinado de Salomão. Williams escreve que Ezequias tentou igualar os padrões do império anterior. Williams lembra o leitor de que o profeta Isaías censurou constantemente os reis de Judá do século VIII por causa de sua busca por unidade com o Egito. O que ele não menciona é que esses mesmos faraós da 25ª Dinastia eram núbios.
Também é importante mencionar que Williams foca sua discussão nas nações de Israel e em seu relacionamento com o Egito, e só ocasionalmente menciona os hebreus antes de eles se tornarem uma nação. Isto, é claro, significa que ele exclui o período “mitológico” de 400 anos de cativeiro e as gerações de contato no período patriarcal/matriarcal, durante o qual, de acordo com a tradição de Israel, Israel viveu no Egito. Isto é importante porque essa tradição mostra uma crença profundamente enraizada de que muitas das tradições de Israel foram fundadas no Egito, e mostra uma crença igualmente profunda de que algumas de suas tradições foram desenvolvidas em total contraposição às práticas do amigo e irmão mais velho de Israel.
O leitor deveria, então, pensar em três períodos nos quais os filhos de Israel que mais tarde seriam conhecidos como Israel e Judá estavam especialmente próximos do Egito: 1) os anos patriarcais e de pré-êxodo, 2) o império davídico e 3) o final do século VIII e VII do remanescente estado de Judá e Benjamim.
De: Peter T. Nash
Historicultura 2020